Culinária afetiva: como a comida pode representar memórias?

Memória e cuidado são os dois pilares fundamentais desse tipo de culinária para lá de especial.

O ato de se alimentar envolve uma experiência multissensorial, que ativa vários de nossos sentidos, desde o paladar até a visão, passando pelo tato, o olfato e até mesmo a audição. Por essa razão, criamos memória e afeto com os alimentos que consumimos e é a partir dessa compreensão que o conceito de culinária afetiva vem sendo desenvolvido.

Desse pensamento, por exemplo, é que vem o termo comfort food, aquela comida saborosa que nos proporciona o sentimento de conforto psicológico.

Esses conceitos, é claro, variam de pessoa para pessoa, visto que estas experiências são estritamente pessoais. Na prática, um mesmo alimento pode revisitar sentimentos diferentes em pessoas diferentes.

Segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, nossas preferências alimentares são uma forte marca de como fomos socializados durante a infância, especialmente em nossa relação com a comida.

A marca de um povo

Como dissemos, a alimentação é um traço bastante importante de nossa cultura. Por isso, a cozinha afetiva brasileira tem variações de região para região, cara e sabor próprios.

A sobrecoxa assada com batatas, por exemplo, é uma boa pedida. Tradição dos almoços de domingo para diversas famílias, em especial aquelas que mora na região sudeste, mas dificilmente encontrada em restaurantes e outros estabelecimentos que servem refeições.

Como modelo de negócios, a cozinha afetiva, então, busca oferecer aos seus clientes exatamente estes pratos caseiros, com história e memória, em escala comercial.

E os detalhes contam tanto como a receita. O bolo gelado de coco, por exemplo, é encontrado embrulhado em papel alumínio tal qual era tradição algumas décadas atrás.

Além das memórias da casa da avó

É bem verdade que a maior parte do que vem sendo feito e pensado em relação ao conceito de culinária afetiva lembra os sabores e os cheiros da casa de nossa avó. Mas o fato é que já tem gente experimentando a cozinha afetiva além disso.

Um dos principais exemplos do Brasil é a chef Elisa Fernandes, vencedora da primeira temporada do Masterchef nacional para amadores, que diz que sua cozinha é afetiva porque respeita as relações humanas.

Desta maneira, em sua cozinha, entram apenas alimentos locais e sazonais, em sua grande maioria orgânicos, produzidos sem exploração desleal da força de trabalho.

Na cozinha de Elisa, a palavra de ordem é acolhimento, desde a lavoura até o prato, passando pelo respeito aos envolvidos em toda a cadeia de produção.

Para a chef, conhecer os fornecedores e respeitar o seu trabalho é também uma forma de afeto que constrói novas memórias, além de apenas remeter às que já temos.

Cozinha afetiva no cinema

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O poder da relação entre cozinha e afeto é tão forte que já foi tema de diversas produções cinematográficas, dentre as quais Ratatouille é a principal. No filme, um ratinho cozinheiro chamado Remy se aventura pelo desafio de se tornar um respeitado chef na cidade de Paris.

Ao ter um de seus pratos provados por um famoso crítico, prato que, aliás, dá o título da produção, o profissional se lembra da receita preparada por sua mãe na infância.

Em Ratatouille, o crítico em questão era bastante exigente, e o que ganhou seu paladar e seu coração foi a relação afetiva que foi construída entre o tempero elaborado por Remy e aquele dos seus tempos de menino.

Outro aspecto interessante é que a receita do ratatouille francês é datada do século XVIII, ou seja, faz parte da história do país por pelo menos 400 anos. Desta maneira, é um sabor reconhecido por pessoas de diversas gerações e regiões na França, o que demonstra, mais uma vez, o elemento cultural da alimentação.